Quinta-feira, 31 de Março de 2005
João explodiu.
Não se lembra de nada antes do estrondo. A sua primeira visão foi o mundo inteiro muito ao fundo, lá em baixo. E vento começou a beijá-lo de baixo para cima. A Queda. João sentia-se pesado como chumbo, sentia-se a cair cada vez mais rápido, mas o mundo, o chão mantinha-se inalterável. Mantinha-se tão ao longe que parecia que João caía no mesmo sítio. Que iria ser assim para o resto da sua vida. E o pânico começou a abandoná-lo. João começou a gostar da queda. Todas as sensações ao rubro, a velocidade que quase lhe arrancava a pele do rosto, a solidão imensa e invejosa, com quem partilhava aquele espectáculo enorme. Via pequenas porções do mundo, apenas. Grandes terrenos cultivados, grandes cidades. Conforme se ia aproximando, começava a discernir mais pequenos pormenores: um bairro, uma rua, uma casa e depois ela... João não podia acreditar. Tinha estado quase toda a vida, parecia-lhe já, na Queda. Sozinho com a Queda. E sentia-se bem. Não precisava de mais nada. Ânsiava pelo baque final, quando tivesse que surgir. Era um plano simples. Cair, até não existir mais por onde cair. Mas agora existia ela. Queria cair para ela. Cair dentro dela. E ela olhava-o com uns olhos enormes, de todas as cores, sorria àquele pequeno homenzinho que vinha do céu, que parecia voar em direcção a si, apontado aos seus braços.
E João não se lembra de nada antes da a ver. Antes do seu vôo direccionado. Antes do seu alvo sorridente surgir na sua mira. Disseram-lhe que, há muito tempo, João explodira. Mas ele não acredita. Só se lembra de acordar a centímetros do rosto dela e de a beijar, numa aterragem suave de uma Queda esquecida após uma explosão violenta........